Tuesday, June 28, 2016

O consenso entre economistas da saúde e o problema da assimetria da informação

Estamos em 2016, na era do Twitter, textões no Facebook, fotos no Instagram e vídeos no Snapchat – e eu decidi criar um blog. Confesso que com a exceção do Andrew Gelman e do Incidental Economist, eu não acompanho blogs desde o fim do Google Reader. Blogs estão suficientemente mortos que chegou a hora de trazê-los de volta.

Como primeiro post do blog, decidi escrever sobre a existência de um consenso entre economistas da saúde. Economistas são amplamente conhecidos por não concordarem em quase nada. Afinal, ainda estamos brigando sobre assuntos estudados há décadas como a importância do salário mínimo, taxas de juros e as causas do aumento da desigualdade

O interessante é que a área da saúde é diferente. Economistas da saúde costumam concordar com um conjunto de políticas básicas como, por exemplo, mudar o tipo de financiamento, disponibilizar indicadores de qualidade de prestadores de saúde e limitar o crescimento da judicialização da saúde, como mencionado em um artigo recente da Claudia Collucci na Folha. Até economistas mais alinhados com ideologias liberais defendem alguma presença do Estado na saúde. Larry Summers, por exemplo, liderou um manifesto recente de economistas da saúde em defesa do sistema universal de saúde.

Isso acontece porque a área da saúde é tão afetada por imperfeições de mercado, que para que o debate ideológico se inicie é necessário tomar primeiro um conjunto de medidas básicas. Este blog irá abordar essas imperfeições de mercado separadamente ao longo dos próximos posts. A grande maioria dessas imperfeições são resultado do pecado original da economia da saúde: a assimetria da informação.

Assimetria da informação ocorre quando um agente tem mais informação do que o outro. Por exemplo, pacientes não conhecem bem a qualidade dos hospitais da sua cidade (já que provavelmente não frequentam muitos hospitais diferentes num mesmo ano – ao contrário dos outros bens que consumimos no dia-a-dia). Isso gera um incentivo para que hospitais não invistam em qualidade, mas sim na aparência de qualidade por meio de investimentos em propaganda. O mesmo vale para medicamentos caros, clínicas e planos de saúde.

Assimetria da informação também aparece na relação entre pacientes e profissionais da saúde. Esses últimos têm muito mais informações sobre os benefícios de exames e, se sofrerem pressão externa para aumentar o número de exames solicitados, aumentarão os gastos sociais com saúde sem gerar um benefício significativo para os pacientes.

Isso não significa que pacientes são as grandes vítimas da assimetria da informação - eles também a usam em benefício próprio. Planos de saúde, por exemplo, não conseguem saber com precisão a situação de saúde dos seus clientes. Isso favorece indivíduos com muitos problemas de saúde, que conseguem esconder essa informação e pagar uma mensalidade mais baixa do que os planos gostariam que eles pagassem.

Essas imperfeições de mercado afetam toda a cadeia produtiva da saúde, gerando distorções gigantescas que precisam ser minimizadas. Aí entra o papel regulador do Estado, que precisa estar presente na área da saúde.

Até agora tentei apresentar o problema de uma forma técnica, mas não podemos esquecer que estamos falando de vidas. A falta de acesso a serviços de saúde por parte de pessoas de baixa renda não é moralmente aceitável e, mesmo sem a presença de assimetria da informação, já justificaria uma intervenção para garantir a equidade no acesso.

Há sim muitos debates ideológicos a serem feitos em economia da saúde no futuro, mas até lá precisamos consertar o básico. A boa notícia é que existe um consenso sobre quais são os primeiros passos a serem tomados (novas formas de financiamento, diminuir o peso da judicialização da saúde e aumentar os indicadores de qualidade). Só falta vontade política. 

3 comments:

  1. Parabéns professor pelo blog e por levar adiante a bandeira da Economia da Saúde como ferramenta de gestão. Com certeza o financiamento, a judicialização e indicadores de qualidade são assuntos que precisam ser encarados imediatamente. E se faltava ferramentas, aqui temos uma! Sucesso! Elenilde.

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  2. Legal! Já adicionei ao meu Feedly...

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  3. Parabéns pela iniciativa, Alexandre! Vou tentar acompanhar sempre. Abraços!

    Gabriel
    folha.com/cadeacura

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