Tuesday, July 26, 2016

A importância de incentivos econômicos na área da saúde

A primeira regra da economia é que as pessoas respondem a incentivos. Isso parece um pouco óbvio, mas é surpreendente como é mal explorada por empresas e pelo governo. Vou dar um exemplo da minha realidade, a Universidade de São Paulo. Há uns anos, em época de vacas gordas, a reitoria da USP decidiu distribuir um bônus aos professores. Era uma situação perfeita para incentivar as atividades que a reitoria achasse prioritárias no momento. Em vez disso, foi dado o mesmo exato bônus a todos. Alguns meses depois foi enviado um email aos professores sobre a importância de iniciarmos novas colaborações internacionais. Que grande oportunidade perdida para incentivá-las.

A área da saúde é provavelmente aquela que pior utiliza incentivos econômicos para estimular comportamentos de seus trabalhadores. O problema começa pelo sistema de reembolso dos gastos em saúde no Brasil, o de conta aberta, onde os hospitais recebem de acordo com o número de procedimentos realizados, em vez de ser proporcional à qualidade do atendimento prestado ou à satisfação do paciente. O incentivo econômico do sistema de conta aberta é claro: quanto maior o número de procedimentos, maior o lucro.

Entretanto, mesmo dentro do sistema de conta aberta, há muitas oportunidades de usar incentivos econômicos para incentivar comportamentos desejáveis. Um exemplo é o problema atual de epidemia de cesáreas. O Brasil é conhecido internacionalmente na área de saúde materno-infantil por ter uma das maiores taxas de cesáreas do mundo. Trata-se certamente de um problema multifatorial, mas talvez a principal razão seja o efeito dos incentivos econômicos vigentes, principalmente o fato de o médico receber pelo parto normal, que é mais trabalhoso, praticamente o mesmo que recebe por uma cesárea.

Uma iniciativa recente promovida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para aumentar a proporção de partos normais já está apresentando resultados promissores. Foram feitas duas mudanças simples, porém precisas: aumento da remuneração do parto normal e pagamento de um bônus para quem atinge a meta de partos normais. Segundo os envolvidos no projeto, a proporção de partos normais nos 40 hospitais participantes já subiu 9 pontos percentuais em menos de um ano. Isso pode com o tempo levar a uma mudança da "cultura de cesáreas" dos hospitais, melhorando a estrutura dos parto normais e incentivando ainda mais profissionais a aderirem nos próximos anos.

As pessoas respondem a incentivos. Uma regra tão simples, mas tão desprezada.

3 comments:

  1. Olá Alexandre Chiavegatto! Seu blog está com excelentes artigos!!
    Porém poderia perguntar uma coisa? Os sistemas de saúde pública no mundo possuem modelos que poderiam ser replicados no Brasil? Singapura ou até mesmo os EUA? Muito obrigado pela atenção,
    João Carlos Soarez

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  2. Adorei o texto e já compartilhei com meus colegas do mestrado.Estamos fazendo uma disciplina sobre Visão interdisciplinar do parto e falávamos justamente sobre isso ontem - o valor pago ao parto normal, se comparado ao cesariano, como forma de diminuir a incidência de parto cirúrgio.

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  3. Oi João Carlos - o nosso sonho é que houvesse um sistema perfeito, que pudesse ser replicado por todos. O problema é que os países são muito diferentes, tanto culturalmente quando socioeconomicamente. Com isso em mente, o sistema de saúde parecido ao nosso que funciona melhor é o do Reino Unido. É bem mais complexo que o brasileiro, mas obtém resultados muito bons.

    Elenilde - obrigado pela divulgação! É muito importante para o blog. Abraços!

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